INTEGRAÇÃO MENTE/CORPO E PSICOSSOMÁTICA

SALETE MARISA DIAN BIAGIONI

“Corpo, meu velho companheiro, nós pereceremos juntos.
Como não te amar, forma a quem me assemelho,
se é nos teus braços que abarco o universo”.

(Marguerite Yourcenar)

A visão da modernidade cindiu o homem em duas metades, corpo e psique, e tentou trabalhar com uma delas por vez como se a outra não existisse.

Como resultado, o homem passivo diante de seu sofrimento assumiu o papel de vítima do acaso e, inconsciente dos fatores que o levaram ao desequilíbrio, apelou para soluções externas e artificiais.

Observamos, hoje, que o homem e a Psicologia perderam o contato com a finalidade da doença, com a importância e valor desta, e com o papel central que os símbolos têm de ligar a consciência às forças curadoras que estão no próprio indivíduo.

A idéia do uso do símbolo como elemento organizador e centralizador da psique é proveniente do trabalho de C.G. Jung, entre outros, já que esse conceito não é novo.

Para a Medicina Psicossomática, o homem é função de uma força misteriosa que se expressa através dele, tanto pela saúde como pela doença. Tanto a poesia e a arte como a doença são criações, ou formas de auto-expressão, que trazem para o homem a linguagem de uma força misteriosa. A doença não existe como entidade. Ela existe como expressão da totalidade do homem.

Curar seria interpretar corretamente o que essa totalidade está tentando expressar através dos sintomas e ensiná-la um modo menos doloroso de auto-expressão. O papel do psicólogo e do médico seria de catalisador, de facilitador desse processo.

Para Jung, o desvio da normalidade é visto como uma tentativa de correção, por parte da psique, de uma atitude unilateral da consciência. Sendo assim, o conceito de símbolo é aplicado tanto na compreensão dos fenômenos psicológicos profundos como na prática psicoterápica. A doença passou a ser vista como uma representação simbólica no processo de desenvolvimento e individuação.

Três conceitos principais fundamentam essa abordagem:

  1. A intermediação de um terceiro fator na relação psique-corpo.
  2. A sincronicidade.
  3. O mecanismo de compensação e abordagem finalista.
  • A intermediação de um terceiro fator na relação psique-corpo.

Na Psicologia Analítica, a primeira referência à relação psique e corpo encontra-se na Teoria dos Complexos.

A conexão entre alterações fisiológicas e de estímulos emocionais, estabelece uma relação direta entre psique e corpo tendo com base o complexo. Um complexo é um conjunto de idéias e imagens agrupadas por uma qualidade afetiva, ao redor de um núcleo arquetípico.

Quando um determinado complexo se constela ocorrem alterações no nível fisiológico e em toda estrutura corporal que podem ou não ser percebidas pelo indivíduo. A atuação de um complexo pode gerar um sono súbito, um enorme cansaço ou a sensação de ter o corpo moído, machucado ou até despedaçado. Essas percepções nos indicam que todo complexo, inclusive o egóico, traz consigo um padrão específico de imagens corporais e de tensões musculares.

A imagem que tenho do meu corpo faz parte do Complexo do Ego, assim como todas as sensações sinestésicas presentes na minha consciência, formarão uma estrutura corpórea coerente e relativamente estável.

A relação EGO-SELF tem uma corporalidade, um símbolo, uma imagem arquetípica sobre a qual é formada a imagem do corpo humano.

A imagem do corpo humano, o inconsciente somático, o corpo onírico e o corpo subjetivo, são conceitos referentes a um terceiro fator que transcende à dicotomia corpo-mente: o símbolo (aqui compreendido como a melhor descrição de um fator relativamente desconhecido).

A representação simbólica do corpo é altamente elaborada e complexa, um dinamismo ao mesmo tempo resultante, revelador e determinante das formas de relação do indivíduo com seu próprio corpo enquanto estrutura física e objetiva. Essa representação interna constitui-se, não só, como um dos principais determinantes da relação do indivíduo com o seu próprio corpo, mas, também, de seu contato com o ambiente em que está inserido.

O símbolo emergente da relação espírito-matéria revela a etapa de desenvolvimento do indivíduo e da cultura, e sua “interpretação” depende do ponto de vista a partir do qual está sendo observado o fenômeno (do corpo ou da psique).

  • A Sincronicidade.

Para o ego manter sua integridade e saúde, não pode se identificar nem com o corpo somático, “real”, nem com o corpo sutil, “subjetivo”, pois cada um desses fenômenos refere-se a um segmento da realidade e sua captação depende de seu nível de desenvolvimento e amadurecimento.

A sincronicidade refere-se à existência de dois ou mais fenômenos ocorrendo ao mesmo tempo, sem relação causa-efeito entre si, mas relações de significado.

O câncer, por exemplo, é uma doença alimentada por muitas fontes: emocional (perda, luto ou depressão); ambiental (contaminação da água, ar e comida e os efeitos de exposição à radiação); social (rupturas nas relações a nível social, familiar e de negócios); moral e ética (desvios na integridade do nosso comportamento moral); entre outros. Um dos passos mais valiosos para ajudar na provável cura do câncer é tornar-se consciente destes elementos que contribuem para a instalação da doença.

Podemos perceber que uma imagem não causa uma determinada sensação, nem que uma determinada sensação leva à formação de uma imagem, porém, ambas estão presentes simultaneamente no organismo, quer a consciência perceba ou não.

À medida que psique e corpo formam um par de opostos, sua relação não pode ser percebida somente como causa-efeito.

Os fenômenos da sincronicidade mostram que o não-psíquico pode se comportar como o psíquico e que o psíquico pode se comportar como o somático, sem que haja qualquer relação causal entre eles.

O símbolo como terceiro fator transcendente, quando na consciência, revela que “a psique e a matéria são aspectos diferentes de uma única e mesma coisa”.

  • A Doença como Mecanismo de Compensação – Uma Abordagem Finalista.

Todo símbolo tem não só uma causa como também uma finalidade. Se usarmos o mesmo raciocínio no campo das doenças, uma ampla perspectiva se abre.

A doença poderia ser vista como compensação a uma atitude unilateral da consciência. Ela seria uma reação do organismo, com a finalidade de levar o indivíduo a integrar o reprimido na consciência. Isso significa que, a saúde só pode ser realmente obtida, tanto no nível pessoal como no coletivo, através da integração da sombra.

A doença seria uma expressão simbólica, uma forma do organismo expressar uma desarmonia entre psique e corpo e uma tentativa de chamar a atenção do indivíduo para a sua realidade conflitiva e para o desvio do ego de sua totalidade.

A bússola do ego em direção à totalidade é dada pelo símbolo. Um desvio da rota também é revelado pelo símbolo e representado, com freqüência, pelo sofrimento. Mas, assim como o símbolo aponta para o erro (doença), pelo sofrimento envolvido, também aponta para a compreensão do seu significado, a correção a ser feita, isto é, o que deve ser sacrificado (a saúde).

Simplesmente pela forma como o símbolo se apresenta (doença ou saúde), não podemos dizer se ele aponta para a necessidade de uma correção ou se revela uma próxima etapa a ser atingida no desenvolvimento normal. Em geral as intenções se mesclam e a consciência não discrimina.

Embora seja provável que a doença seja a expressão de um desvio, enquanto a saúde é expressão de crescimento, somente o equacionamento pessoal, agregado à história de vida interna e externa pode representar o elemento integrador da totalidade do ser.

 

O que para nós é realmente importante no processo psicoterapêutico junguiano:

  1. Uma doença (sintoma corporal) pode ser vista como expressão do corpo simbólico, isto é, como símbolo que expressa a relação corpo-psique. Este símbolo pode ser a expressão da necessidade de se integrar um conteúdo na consciência, reprimido e/ou desintegrado.
  2. Para compreender o significado desse símbolo não basta a busca da causa, mas a pesquisa de sua finalidade é imprescindível. O porquê e o para quê se complementam ampliando o nosso conhecimento.
  3. A ampliação do significado leva à ampliação da consciência e à maior integração dos conteúdos inconscientes no ego, transformando a relação do ego com seu todo.
  4. Essa ampliação pode ocorrer no nível individual e/ou coletivo. No nível pessoal, isso acontece na objetivação do sintoma (falar da doença, representá-la via imagens: desenhos, caixa de areia, etc.). No nível coletivo, pelo estudo comparativo de mitos, contos, folclore, arte, religião, imagens, entre outros. As amplificações do corpo simbólico nos aproximam cada vez mais da imagem do Corpo Divino, do Self.
  5. A coincidência do Corpo Simbólico com o Corpo Divino é a meta idealizada, embora, desde o início, sabemos ser ela inatingível. Há nas profundezas do inconsciente uma tendência autônoma para a psique se “curar” sozinha, desde que haja condições adequadas para isso.
  6. A psicoterapia verbal promove a análise da personalidade e progride em direção de uma consciência       ampliada. O processo na caixa de areia estimula a regressão criativa para permitir um movimento progressivo posterior, que permite a “cura”.
  7. Dois processos separados (regressão e progressão), mas relacionados, ocorrerão e a interação entre eles parece apressar (psicoterapia breve) e enriquecer o processo psicoterapêutico.
  8. Aparece um reino intermediário entre espírito e matéria como um “corpo sutil”, a partir do espírito do cliente e do espírito que habita a matéria (energia). Da essência do cliente e da essência da areia e das miniaturas, surge um novo terceiro, que é a quintessência do processo na caixa de areia: a imagem interna, carregada de emoções e de sentimentos a partir do processo criativo.
  9. Tornar real a energia amorfa do seu mundo imaginário interior por meio do mundo concreto, em nosso caso a areia, tem a finalidade de transformar novamente essa criação concreta em imagem interior.

 

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